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quinta-feira, dezembro 25, 2008

Ironia Natalina


Era manhã de Natal, mas a realidade seria a mesma em qualquer outro dia.
Depois de muito caminhar encontrou o açude de onde tirava água desde que se entendia por gente. Nunca a seca castigara tanto seu sertão, jamais deparou-se com aquela visão medonha, um misto de barro e lama seca. Mas não só o açude, não só o sertão, sua alma estava seca, quebradiça como a galhagem da caatinga, como o leito rachado da margem.
A comida estava no fim e não sabia por quanto tempo a sopa de palmas aplacaria a fome de sua prole. E ali, enterrada até a cintura no buraco lamacento, perguntava-se como iria voltar. Já não tinha forças para se levantar, percorrer o caminho de volta, seria a via sacra, seria sua penitência involuntária, imposta por sua árida realidade.
O que dizer aos filhos, não poderia olhar em seus olhos esbugalhados de fome e sede, pele sobre osso e dizer que a água acabou.
Cada passo uma pontada no peito, mais o ritmo de sua respiração aumentava. Até que por um momento parou. Quis sair correndo, pedir para os santos, para Nossa Senhora, que fizesse chover, que mandasse suas lágrimas para aplacar a sede de seus filhos, pois ela sabia da dor, ela a entendia, viu seu filho morrer no sofrimento e foi forte, não abandonou Jesus em sua hora difícil e relutante continuou a caminhada.
Quando entrou, um dos filhos sentado aos pés do fogão de lenha, dizia baixinho:
“ _ Santos e Nossa Senhora no sertão são surtos!”