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quarta-feira, julho 11, 2007

Sobre Narciso


Como tantas e tantas vezes, essa idéia já havia me tocado a alma, percorrido a espinha, com a sensação de fim. Mas era mais uma, entre outras inúmeras vezes, que eu assumiria estar no fundo do poço.
Talvez tivesse acabado, já não o esperava como antes. Aquela ansiedade de outrora desaparecera, assim como a paixão efervescente das taças de champanhe que dividimos há muito tempo atrás.
Ao chegar, corou-me com um beijo frio, como fizera por todos aqueles anos. E eu convencida que acabaria ali mesmo, que debulharia todo o rosário de infelicidades, jogaria meia dúzia de palavras causticas e derreteria aquele ar de superioridade em dois tempos, mas me calei, rotineira.
Sentou-se a espera do jantar. Eu nem me mexi.
Ficamos horas a nos fulminar com olhares tortos, quase sem reação e nenhuma palavra.
Otávio, provavelmente nem se dera conta que fiz de tudo para mantê-lo ao meu lado. Fiz dele meu par, meu espelho vivo, meu cúmplice perfeito e agora estávamos estagnados àquela mesa de jantar.
Valsamos como se eu fosse o cavalheiro da dança e ele, a mais bela donzela, rodopiou em torno de mim incontáveis vezes, aliás tantas quantas eu pude suportar, mas eu nem me dei conta que eu rodopiava em torno dele também e que seus passos eram mais vorazes que os meus.
E para dançar só, dei a ele a liberdade de ter qualquer par e no maior salão que se possa imaginar, ele valsou com todas. Encantou cada uma delas com seus olhos fulminantes.
Confesso que divertia-me com a sensação de saber que ele voltaria para mim, como sempre voltou. Mas num certo momento, cansei-me, nos cansamos do nosso jogo.
Não acredito em amor, apenas nos refletíamos um no outro, pobre e nós, tão encantados com nossas imagens, que nem nos percebemos a distância que nos abatia, a cada rodopio, a cada gesto.

quarta-feira, maio 30, 2007

O preço

(Foto de Bridgitte)


Estava disposta a pagar o preço, saíra de casa com aquela intenção, de encontrar o que deixara para trás há tanto tempo. Levava os roteiros debaixo do braço e esperanças simples, como um pequeno martírio por buscar aquele que há mais de dez anos a abandonara, sem ao menos dizer adeus. Trazia nós apertados em sua garganta e tantas perguntas por fazer. E debaixo do braço o roteiro de vidas inteiras, num intento teatral. E os passos conduziam-na para o confronto final, quase latente em seus olhos.
Queria chorar como o fez há muito tempo, mas as suas lágrimas secaram, queria apenas fitá-lo e encarar como se fosse mesmo um trabalho, como se os escritos fossem maiores que as suas dores de abandono, como se cada ato teatral desembocasse apenas no aplauso final de uma platéia desconhecida.
Entrou em uma loja de conveniência, bombons? Não doces demais para o momento, talvez um mimo branco, um cachimbo, uma caixa de charutos, será que ainda fumava?
Comprou um vinho, talvez fosse um presente bom, para alguém tão requintado, ou talvez fosse demais para alguém tão simples, não o conhecia mais. Resolveu então deixá-lo guardado para outra ocasião especial.
No roteiro as palavras ditam sobrecarregadas a cobiça. Demonstram a insatisfação com uma revolta, enganam-se em meio de orgias verborrágicas, quase plásticas e inconstantes.
As palavras deleitam-se de seus olhares míopes, que não desejam a visão e vêem os dias esconderem-se no caos e nas falésias ocupadas, como as mesas de um café de esquina, que não disfarçam o vazio de tentações.
Na vida real uma porta se abre, depois de tanto tempo, ela o vê ali, de pé e tão receptivo, sorridente e lascivo. As mãos não dissimulam, querem os pecados vãos, choram as faltas. Querem queimar no corpo alheio, entre o tesão vigoroso e o movimento vagaroso.
A fome das mãos trazem a revolução das carnes, das peles, dos olhos revirados em rotação obtusa, e confusa. Estavam secos de si, sedentos um pelo outro e vertiam-se em fluidos corpóreos, palavras sem nexo ou léxico. Apenas o gozo, silencioso e gentil.
Tentaram no fim um sorriso prazeroso, se esconderam entre braços e pernas e se encaravam pelo canto dos olhos, extasiados escondiam um riso, quase em um choro contido das perguntas não feitas e respostas não encontradas.
Num jogo de fuga e esconderijos secretos, eles estavam entregues, sabiam mais de si do que do outro e talvez fosse só isso que os interessasse, mas continuaram se observando até que arrancam-se os olhos, num frenesi dialético.
Não olhariam mais para trás.

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quinta-feira, abril 19, 2007



Luta
Já não o queria como antes, desejava agora estar com outro, bem longe dali. Mas já não tinha forças para lutar contra os contratos sociais, contra as regras de conduta. Nem contra suas carnes. Seus sentimentos eram outros, mas ainda não tinha convencido sua pele, suas entranhas, do contrário.
Observava-o dormindo, ohava por horas a fio e depois o despertava, para tomar o melhor dele. Mas na hora do estar, estava com outro ali, naquele lugar.
Pensava em Pedro, sim Pedro era seu amor mais profundo, Pedro a amava todas as noites, possuía sua alma e seus pensamentos, seu gozo.
Mas quando abria os olhos era Víctor que estava lá, segurando-a de olhos virados, por certo pensava em outra também.

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segunda-feira, abril 09, 2007



Luxúria
O dia não tinha brotado no horizonte, mas o ar estava fresco, todos dormiam. Sentia-se livre, solta das arestas rústicas que a prendiam nas buscas diurnas monumentais. Sentia-se calada, pois sua voz estava presa em seu ventre, em seu sexo. Não queria acordar ninguém, mas foi tomada por um pensamento gentil. Uma saudade do que se esqueceu de acontecer.
Pousou sua mão quente sobre seu sexo frio, suspirou e encaixou a mandíbula. Lembrou-se de como tivera sede por si mesma e por um momento pensou em outras mãos ali.
Fechou os olhos e forçou seus quadris contra as mãos, tinha desejos ocultos e pensamentos leves e despretensiosos.
Era um devaneio incontido, que empedrou-se em pensamento quase real, as mãos buscavam seu sexo e o sexo retribuía a busca constante e prazerosa.
Tão silenciosa e pudica que por um momento se entregara à ilusão da luxúria, de possuir-se a si mesma, num estágio pleno de si.
Tocou-se fundo, o mais fundo que pôde alcançar e num delírio pleno de sentir-se vibrar, gozou uma, duas, incontáveis vezes consigo. Com ela não precisava falar, não precisava suspirar em demonstração de satisfação, o gozo se bastava.
E quando se satisfez de si, quis beijar-se, mas pousou sua mão fria, sobre seu sexo quente e adormeceu.

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