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quinta-feira, dezembro 25, 2008

Ironia Natalina


Era manhã de Natal, mas a realidade seria a mesma em qualquer outro dia.
Depois de muito caminhar encontrou o açude de onde tirava água desde que se entendia por gente. Nunca a seca castigara tanto seu sertão, jamais deparou-se com aquela visão medonha, um misto de barro e lama seca. Mas não só o açude, não só o sertão, sua alma estava seca, quebradiça como a galhagem da caatinga, como o leito rachado da margem.
A comida estava no fim e não sabia por quanto tempo a sopa de palmas aplacaria a fome de sua prole. E ali, enterrada até a cintura no buraco lamacento, perguntava-se como iria voltar. Já não tinha forças para se levantar, percorrer o caminho de volta, seria a via sacra, seria sua penitência involuntária, imposta por sua árida realidade.
O que dizer aos filhos, não poderia olhar em seus olhos esbugalhados de fome e sede, pele sobre osso e dizer que a água acabou.
Cada passo uma pontada no peito, mais o ritmo de sua respiração aumentava. Até que por um momento parou. Quis sair correndo, pedir para os santos, para Nossa Senhora, que fizesse chover, que mandasse suas lágrimas para aplacar a sede de seus filhos, pois ela sabia da dor, ela a entendia, viu seu filho morrer no sofrimento e foi forte, não abandonou Jesus em sua hora difícil e relutante continuou a caminhada.
Quando entrou, um dos filhos sentado aos pés do fogão de lenha, dizia baixinho:
“ _ Santos e Nossa Senhora no sertão são surtos!”

terça-feira, março 11, 2008

Cidade baixa



Contam-me meus ancestrais, deuses do fogo e demônios da água, que em um encantamento debocharão por eternidade do que foi dito, lido ou escrito.
E as concubinas dançam valsas de anos atrás, com os velhotes que passam o dia jogando gamão e as noites passando a mão em nádegas alheias. Elas não esperam grandes fortunas, nem glória, apenas a aposentadoria deles, no fim do mês.
Perdem-se na vida que não tocam para não ferí-la, para não estripá-la.
Eu já desisti das crendices e dos misticismos das pessoas fora de meu tempo, dos meus antepassados e até de mim estou farta.
Por vezes me pergunto, quando é que as putas da cidade baixa desistirão?

sexta-feira, janeiro 11, 2008

Vidinha medíocre



porque tento me convencer que a vida é boa? e todos os dias pela manhã, fazem o mesmo, acordam-me com uma propaganda refrescante de creme dental, outra crocante de margarina e ainda por cima a risadinha plastificada de ana maria braga e um louro de espuma.
isso lá é vida? ser um como tantos. uma dona de casa que não copia receitas de bolo e sim faz pesquisa na internet sobre venenos, drogas ilícitas e viagens aéreas.
que espécie de gente sou?
ou será que todos são assim e tentam se adaptar?
um amigo disse hoje, que os viadutos o chamam, prometendo aliviar suas dores, mas eu não acredito nem em bula de remédio, acho que todos prometem apenas o que não podem cumprir.outro amigo me disse que alçar vôo do galeão era lindo e assustador, um pedaço de terra curto, percorrido em segundos pela aeronave e depois um mar a perder de vista, com o cristo redentor ficando para trás.
dizer o que, se já sabia da sensação. mas pior que isso são os tumbeiros internos, que batucam o coração entregue.
"aqui não, aqui não, aqui não bate um coração!"
o certo seria avisar das decepções, que a gravata de bolso não seria usada, nem mesmo a porta de emergência.
quando soubesse que os pés tocaram aquele chão o caos interno instalar-se-ia, não por aquele sentimento passageiro, mas pelas negativas de si, acumuladas e guardadas por tantos anos.
o copo d'água poderia fazer falta, para afogar aquelas mágoas secas.