Pesquise este blog

sábado, julho 11, 2009

João, o operário padrão

João chorava ao ver o Van Damme apanhando um pouco antes de vencer as lutas. Até se emocionava com finais de novela. Lia poesia, mas não era gay, não era.
Justificava dizendo que mulher adora essas coisas. A poesia certa faz qualquer paquita tremer e te dar gostosinho.
E depois do cigarro, quando declamava algo Camoniano rimando com a trepada, elas repetiam ainda mais amorosas.
As potrancas precisam de palavras doces e tapinhas de leve nas ancas. Só usou a palavra vadia quando uma delas suplicou-lhe ao pé do ouvido.
João era sensível!

quinta-feira, abril 02, 2009

O preço



Estava disposta a pagar o preço, saíra de casa com aquela intenção, de encontrar o que deixara para trás há tanto tempo. Levava os roteiros debaixo do braço e esperanças simples, como um pequeno martírio por buscar aquele que há mais de dez anos a abandonara, sem ao menos dizer adeus. Trazia nós apertados em sua garganta e tantas perguntas por fazer. E debaixo do braço o roteiro de vidas inteiras, num intento teatral. E os passos conduziam-na para o confronto final, quase latente em seus olhos.
Queria chorar como o fez há muito tempo, mas as suas lágrimas secaram, queria apenas fitá-lo e encarar como se fosse mesmo um trabalho, como se os escritos fossem maiores que as suas dores de abandono, como se cada ato teatral desembocasse apenas no aplauso final de uma platéia desconhecida.
Entrou em uma loja de conveniência, bombons? Não doces demais para o momento, talvez um mimo branco, um cachimbo, uma caixa de charutos, será que ainda fumava?
Comprou um vinho, talvez fosse um presente bom, para alguém tão requintado, ou talvez fosse demais para alguém tão simples, não o conhecia mais. Resolveu então deixá-lo guardado para outra ocasião especial.
No roteiro as palavras ditam sobrecarregadas a cobiça. Demonstram a insatisfação com uma revolta, enganam-se em meio de orgias verborrágicas, quase plásticas e inconstantes.
As palavras deleitam-se de seus olhares míopes, que não desejam a visão e vêem os dias esconderem-se no caos e nas falésias ocupadas, como as mesas de um café de esquina, que não disfarçam o vazio de tentações.
Na vida real uma porta se abre, depois de tanto tempo, ela o vê ali, de pé e tão receptivo, sorridente e lascivo. As mãos não dissimulam, querem os pecados vãos, choram as faltas. Querem queimar no corpo alheio, entre o tesão vigoroso e o movimento vagaroso.
A fome das mãos trazem a revolução das carnes, das peles, dos olhos revirados em rotação obtusa, e confusa. Estavam secos de si, sedentos um pelo outro e vertiam-se em fluidos corpóreos, palavras sem nexo ou léxico. Apenas o gozo, silencioso e gentil.
Tentaram no fim um sorriso prazeroso, se esconderam entre braços e pernas e se encaravam pelo canto dos olhos, extasiados escondiam um riso, quase em um choro contido das perguntas não feitas e respostas não encontradas.
Num jogo de fuga e esconderijos secretos, eles estavam entregues, sabiam mais de si do que do outro e talvez fosse só isso que os interessasse, mas continuaram se observando até que arrancam-se os olhos, num frenesi dialético.
Não olhariam mais para trás.

domingo, janeiro 11, 2009

O poeta


Em cidades do interior quando morre alguém as famílias pagam um carro de som para comunicar o acontecido e assim foi mais uma vez, como tantas outras vezes naquele dia. O carro mais uma vez foi contratado para rodar a cidade inteira e de novo, e quantas vezes forem necessárias para que ficasse bem claro que algum fulano tinha passado dessa. E por incontáveis vezes o carro rodeou a pequena praça, e devagar as pessoas iam se aglutinando para trocar a indignação, para mexericar sobre a viúva, sobre os filhos, netos, uma casa que poderia ter ficado de herança, algumas dívidas sanadas pelo óbito.
Ao ligar o rádio aconteceu o inesperado, algo que jamais tinha acontecido, ouvia-se o nome completo do falecido e informavam ainda a hora e o local do velório e do enterro, por certo era político, ou algum filho da burguesia, que não poupava nem o defunto para fazer pose de aristocracia, para anunciarem no rádio, era um absurdo o valor de uma pequena chamada entre os maiores sucessos do momento. Mas a voz do locutor parecia embargada, soluçada, chorosa e sem querer citou o morto como um poeta, rimador, cancioneiro, trovador, que além de tudo era amigo, companheiro de umbigo, de boteco e fadiga. E que para quem o conhecesse que não usasse a velha desculpa de que não ficou sabendo, pois até no inferno haveriam de saber que o poeta morreu.
E ao ouvir aquilo tudo meu coração estremeceu, não havia lido um verso seu, e constatei por fim que o poeta é ser como os outros, se curva, se dobra perante a morte, embora muitos digam que não. Fiquei um tempo com esse pensamento, sentindo-me um poeta morto, que deixou para trás seus versos mal amados, mal lidos, maltratados, seus versos tortos de lamento, indignação e de morte, enquanto ela o levava.
Dizem também que poetas estão à frente de seu tempo, que são seres incompreendidos, que só fazem sucesso depois de uma ou duas gerações, mas esse poeta não esperou, apenas foi como tantos Vinícius, Tons, Jorges, mas deixou-nos sua obra.
Concordarei enfim com os que dizem que os poetas não morrem, eles são eternos em sua obra, vai meu amigo e seja lido!