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quarta-feira, julho 12, 2006

"Série Bonecas de Papel": Caroline


Caroline

Por muito tempo reservei-me ao silêncio, nunca gostei de falar muito sobre minhas divagações, sobre minhas preferências, sobre meus interesses. Sempre que me atrevia a fazê-lo, me consideravam uma perdida. Não que seja uma mulher à frente de meu tempo, nem tão pouco minhas visões sobre o mundo sejam diferente da maioria das outras pessoas, a verdade é uma só, olham-me torto por gostar de meninas.
Bem, acho que me interpretei mal, não tenho nada contra meninos, nem tão pouco contra sua libido exagerada, e a falta controle, quando os assuntos são sexuais. Não vou generalizar, pois já conheci muitos homens que faziam sexo tão bem quanto uma mulher, mas a maioria acha que dizer “gostosa”, a uma desconhecida que passa na rua, é um elogio, não uma grosseria, e que algumas respondem, mesmo que caladas: “vai tomar no cu, filho da puta, nunca viu bunda não?”
Minha mãe, carola, daquelas que não soltava da barra da saia do padre, mal percebia que ele também era diferente, como eu. Um dia ela me flagrou dando um selinho de despedida em uma colega de classe, ameaçou-me com duas bofetadas e com a pergunta mais hipócrita que já ouvi:
“_ Você não tem vergonha na cara?”
Como se fosse vergonhoso gostar de minha colega e ser beijada por ela.
Aprendi desde muito cedo a ter respeito pelos outros, coisas do tipo, não importa a raça, a religião, importa sim a índole da pessoa, mas na realidade, aprendi a hipocrisia, pois esse sentimento é comum no ser humano.
Será que a opção sexual de alguém fere o direito de outras pessoas?
Outro dia vi no Jornal Nacional que um policial prendeu duas meninas dentro do campus da USP, no refeitório, por estarem se beijando na boca, uma sentada no colo da outra. Pergunto-me se fosse um casal “convencional” teriam sido detidos? Creio piamente, que não.
Quem deveria ser detido era o milico, que além de ser preconceituoso, abusou do seu poder para demonstrar seu preconceito.
Não acredito, nunca vi e nem vivi coisa mais linda que duas mulheres se amando, há uma aura, uma delicadeza, uma transcendência única, de espíritos que se entendem profundamente.
Quem dera, hoje minha querida Caroline, Carol, como te chamava ao pé do ouvido, tivesse quebrado meu silêncio provinciano antes, queria não ter sido covarde, não ter fugido do amor que tinha por ti, nem cedido aos caprichos de minha mãe.
Hoje, trago-te rosas vermelhas, não mais brancas, como sempre fiz, pois tenho uma confissão a fazer-te, encontrei alguém que me ama, assim como me amou um dia. Mas sou outra pessoa, diferente daquela criança que era, quando nos conhecemos, quando fazíamos amor no banheiro das meninas.
Só agora compreendo a força que brota de um coração dilacerado, só agora entendo seu ato de desespero e a sua coragem. Todos os anos, nesta mesma data, eu venho, e a cada ano que se passava, menos me entendia, e mais compreendia a força que de empurrou pra esse abismo. Ao ler “Aqui jaz uma moça que amou, que chorou, que lutou e desistiu”, revolto-me, pois sabemos que isso não é verdade.
Pichei no mármore frio, com tinta vermelha “Aqui jaz uma moça que soube amar e ensinou-me o amor!”


Agradecimentos especiais ao fotógrafo Alexandre Costa, autor da fotografia.RESPEITE OS DIREITOS AUTORAIS E A PROPRIEDADE INTELECTUALCopyright © 2006. É proibida a venda ou reprodução de qualquer parte do conteúdo deste site. Este texto está protegido por direitos autorais. A cópia não autorizada implica penalidades previstas na Lei 9.610/98.

Convido você a conhecer outro blog interessante:
http://www.oscaleidoscopios.blogspot.com/

4 comentários:

Anônimo disse...

eis-me aqui compactuando de todas as tuas idéias, tudo de bom.

Leandro Jardim disse...

Uau, quanta força... e ao mesmo tempo beleza! Nada mais compreensível do que amar uma mulher!!!

bjsssss

brasil disse...

Amores verdadeiros
têm todos os sexos
todas as formas
Todos os cheiros

Claudio Eugenio Luz disse...

Minha cara, essa série ainda vai longe e promete desvendar meandros complexos da alma feminina. A situação é complicada e, penso eu, estamos longe de encarar ou aceitar realidades diferentes daquelas pré-estabelecidas.

hábeijos