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sexta-feira, julho 07, 2006

"Série Bonecas de Papel": Vera


Vera

Não me pergunte porque, mas acordo todos os dias com a sensação de que há uma arma apontada para minha cabeça, na testa, bem no meio dos olhos. É uma alucinação que me persegue desde menina, e por causa dela vejo sempre o outro, seja quem for, como um possível inimigo.
Aprendi, desde muito pequena, a não confiar nas pessoas. O que tenho consegui com muito esforço, nada pra mim caiu do céu, acredito que de lá, só os castigos pela vida que levo.
Criei uma barreira que me protege do mundo, sei como magoar, ofender, humilhar, mas sou imune ao externo, o mundo não me afeta mais. Cansei de tentar entender os “porquês”, e me preocupo agora é com os “quandos”, “quantos”...
Talvez esteja pensando que sou uma “menina má”, e sou! Embora mamãe tenha me ensinado que meninas boas vão para o céu, e que conseguirão a paz eterna! Mas deixava meu padrasto visitar meu quarto, talvez eu gostasse das visitas noturnas.
Quando resolvi quebrar meu silêncio, levei uma bofetada e tive minhas roupas todas jogadas no meio da rua, como se fosse um cachorro, não parte de sua própria carne, sangue do seu sangue! Mas tudo bem, a partir daí, manipular as pessoas tornou-se uma regra.
Aprendi uma lição importante, que ser sincera não é o melhor caminho, escolher a hora de ser sincera, sim. Depois disso, a senhora da mercearia, quase de frente à minha casa me acolheu, cedeu um quartinho do fundo pra dormir, dizendo ser velha, viúva, cansada e que precisava de ajuda e companhia.
Vivi com ela por vários anos, ela sim, me tratava com respeito e dignidade, trabalhava como uma escrava, mas tinha um salário. Sei que Dona Milu me amava, mimava-me, comprando vestidos novos, perfumes, como uma filha que não teve, mesmo com tanto carinho não confiava nela, já não confiava mais em ninguém.
E numa bela manhã de domingo, encontro a pobre morta, em sua cama, teve morte digna, foi a única pessoa boa que conheci, os herdeiros apareceram, fui despejada. Mais uma vez, sozinha, mas agora com minhas economias e minha experiência, poderia recomeçar.
Nesse meu recomeço fiz uma promessa, que venderia ao mundo cada sorriso meu, pelo preço mais caro que pudessem pagar, até chegar onde queria. E cumpro minha promessa. Não sei o que é o amor, sei o que é a dor, e o vil metal. Ardo em prazeres falsos, para valer mais, tiro até o último vintém de quem passa pelo meu caminho. E se tenho oportunidade derrubo, destruo, aniquilo, por simples prazer, acho que a forma que encontrei de compensar minhas mazelas.
Sei que há muito mais que isso que vivo, mas sou jovem, terei tempo de desfrutar tudo que não tive oportunidade, mas enquanto não posso alcançar o que sonho pra mim, devoto meus dias ao “deus do dinheiro”, entrego-me aos desejos dos outros e renego minha própria existência.
Talvez depois de ler meu relato, tenha pena de mim, não se engane, manipulei você também.


Agradecimentos especiais ao fotógrafo Alexandre Costa, autor da fotografia.


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2 comentários:

Claudio Eugenio Luz disse...

Minha cara, tantas coisas passaram pela minha cabeça... Cássia eller, cartas, telegramas e uma infinidade de segredos. Veja só, essas bonecas, pelo visto, não são nada de papel; tampouco,
estão circunscritas(?) nele.

hábeijos

Anônimo disse...

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